Os sessenta textos Coleção Muntu revelam, primeiro, que há pessoas, no Brasil, preocupadas com o restabelecimento da Ma´at, a Justiça histórica. Essa se faz pelas denúncias de racismo, discriminação e diversas formas de opressões. Lembram-nos que a escravidão e a colonização praticados pelo Império português e pelo Estado brasileiro pesam negativamente na história contemporânea do país; o peso da branquitude racista que estrutura a legislação brasileira, as políticas públicas e o comportamento da população branca continuam a negar o acesso aos direitos da cidadania da maioria da população brasileira que é indígena e negra.
Outra ideia que aparece nos textos é que o estabelecimento da Justiça exige reparações que passam pela implementação das políticas públicas de cotas, de ações afirmativas e de preservação de memórias históricas dos povos indígenas e negros. Tudo isso exige mudanças radicais da parte do Estado e da sociedade brasileira. Nos debates atuais, que tenho participado, temos apelado pela construção de um Estado brasileiro plurinacional que garante, em nome da Lei e Justiça (Ma´at), as identidades e os territórios dos povos indígenas e negros do país. Nossos povos apelam para o respeito aos direitos da Mãe NaTuReza, da sua Ontologia, das suas Cosmopercepções e da sua Espiritualidade que fundamentam a sua Ciência e organização de suas sociedades.
O paradigma que me move para escrever esse prefácio, está assente no Ubuntu e Ma´at. Ubuntu leva-me a interpelar cada leitor/a a se movimentar, sair da zona de conforto. Ubuntu como Ser-Sendo, como tenho dito, deveria se fazer nesses níveis complementares: voltar-se para seu Coração (Ib, Motema) porque, nós entendemos que as mudanças mais profundas se fazem através do Coração e não através da razão cartesiana, liberal, instrumentalista, sexista, classistas, anti-natureza. Outro movimento a ser feito é para fora: observe o que se passa no seu bairro, na sua comunidade, no seu trabalho, no seu lugar da prática de espiritualidade, da prática da sua fé religiosa ou não religiosa, na sociedade e aja em Ma´at. Agir em Ma´at significa agir para além da justiça. É agir na Equidade. No caso do Brasil, Ma´at como Equidade exige Reconciliação e Reparações contra os crimes que foram e vêm sendo cometidos contra os povos indígenas, negros e a NaTuReza.
Despeço-me com esse trecho do texto Kunhã Diaurum de Muriti Tapuia que se encontra nesse livro que você tem a oportunidade de ler:
“Há muitos anos, em uma aldeia do povo Tapuia, vivia uma jovem indígena chamada Diaurum. Ela era conhecida por sua beleza, sabedoria e habilidade na caça, além de ser muito querida por sua comunidade. Diaurum era a filha mais nova do cacique da aldeia, e sua mãe, antes de partir para o mundo dos espíritos, havia ensinado a ela os segredos da cura com plantas medicinais e a sabedoria dos antepassados”. (2023).
Caro/a leitor/a! Você irá encontrar, nesse livro, muitas confluências afroindígenas; conversações diretas ou indiretas entre pessoas indígenas e negras que querem construir um Brasil assente na Ma´at!
Boa leitura!
Prof. Dr. Bas´Ilele Malomalo
Docente da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB).
Fundador de Per Ankh Ntu, Centro de Terapia Holística e da Ciência da Espiritualidade Afrikana.
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